No universo das cervejas, poucas ideias são tão difundidas e tão equivocadas quanto a de que “cerveja preta é mais forte”. É um mito que passa de geração em geração. Muitas pessoas, ao verem uma cerveja escura, opaca e com uma espuma cremosa, assumem automaticamente que ela é mais encorpada, mais amarga e, principalmente, mais alcoólica do que uma cerveja clara e translúcida.
No entanto, essa associação entre cor e “força” é um grande mal-entendido. A cor de uma cerveja não tem praticamente nenhuma relação com seu teor alcoólico. Uma cerveja dourada e brilhante pode facilmente ter o dobro de álcool de uma cerveja preta como o petróleo.
A verdade é que a cor da cerveja é definida quase que exclusivamente por um único fator: o tipo de malte utilizado na receita e seu grau de torrefação.
O Segredo Está no Malte
Toda cerveja é feita com quatro ingredientes básicos: água, lúpulo, levedura e malte (geralmente de cevada). O malte é o grão que foi germinado e depois seco. É ele quem fornece os açúcares que a levedura irá consumir para criar o álcool e o gás carbônico.
Pense no malte como o “café” da cerveja. Assim como os grãos de café, os grãos de malte podem ser secos em diferentes temperaturas e por diferentes tempos, um processo chamado de torra.
Maltes Base: São secos em temperaturas baixas. Eles resultam em uma cor clara (amarelo-palha a dourado) e formam a maior parte da receita da maioria das cervejas, como as Pilsens e Lagers.
Maltes Especiais (Torrados): São torrados em temperaturas mais altas, como um grão de café. Quanto mais intensa a torra, mais escura a cor e mais complexo o sabor que ele irá conferir à cerveja.
Malte Caramelo/Cristal: Torra média, confere cores de âmbar a avermelhado e sabores de caramelo e toffee.
Malte Chocolate: Torra mais intensa, confere cores marrons e sabores que lembram chocolate e cacau.
Malte Torrado/Preto: Torra muito alta, confere a cor preta opaca e sabores de café torrado e amargor de torra, característicos das cervejas Stout e Porter.
A cor de uma cerveja preta, portanto, vem da adição de uma pequena quantidade desses maltes muito torrados à receita. A maior parte da cerveja ainda é feita com malte base claro. A cor escura é como uma “tintura” natural que também adiciona camadas de sabor.
Álcool vs. Cor: Uma Comparação Simples

Para entender como a cor não dita o álcool, vamos comparar dois estilos famosos:
Guinness Draught (Stout): É a cerveja preta mais famosa do mundo. É opaca, com sabor de café torrado. Seu teor alcoólico? Apenas 4.2%. É uma cerveja leve, de baixo teor alcoólico, projetada para ser bebida em quantidade (uma session beer).
Duvel (Belgian Golden Strong Ale): É uma cerveja belga de cor dourada, brilhante e translúcida. Parece uma cerveja “leve”. Seu teor alcoólico? 8.5%. É mais de duas vezes mais “forte” que a Guinness.
O teor alcoólico de uma cerveja é determinado pela quantidade de açúcar que o malte fornece para a levedura fermentar. Mais malte (ou maltes mais ricos em açúcares) resulta em mais álcool, independentemente da cor final da bebida. Estilos como as Belgian Tripels, as Imperial IPAs e as Barleywines são exemplos de cervejas de cor clara a âmbar que possuem teores alcoólicos altíssimos, muitas vezes superando 10% ou 12%.
Por Que o Mito Existe?
A confusão provavelmente vem da associação sensorial. Os sabores de café e chocolate dos maltes torrados são robustos e intensos, e nosso cérebro tende a associar “sabor intenso” com “bebida forte”. Além disso, algumas cervejas pretas, como as Imperial Stouts, são de fato muito alcoólicas, o que ajuda a reforçar o estereótipo.
No entanto, da próxima vez que você for escolher uma cerveja, não julgue o livro (ou a cerveja) pela capa (ou pela cor). Uma cerveja preta pode ser uma opção leve e refrescante, enquanto aquela cerveja douradinha e inocente pode te surpreender com sua potência. A verdadeira força da cerveja está nos detalhes da receita, não na sua tonalidade.
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